Donnerstag, Juni 12, 2008

Nós e a Sächsische Staatskapelle Dresden - I



O concerto foi a desculpa ideal para nos encontrarmos. Mais uma vez ...escondidos. Do teu marido, dos teus filhos, da tua vontade de desaparecer comigo, das tuas dúvidas, de tudo e mais alguma coisa. Mais uma vez chegas atrasada. Logo hoje, que queria chegar a horas (tal como faço sempre que vou sozinho). Logo hoje, que pela 375.ª vez chegas atrasada a um encontro nosso. Indigno-me em silêncio. Mais uma vez.
Em virtude do teu atraso, já não podemos assistir (ao vivo) à 1.ª parte. Assistimos num televisor, numa salinha ao lado. Ao lado da excelência dos 80 músicos que tocam na sala principal. Ao lado da acção e da verdadeira acústica. Ao lado. É assim que me sinto. E dou por mim a pensar na nossa relação. Será sempre assim? Lateral? Sempre a passar ao lado da acção principal?
Menos mal, dizes-me tu. Há dois homens ao nosso lado, que também chegaram atrasados. Não quero saber, respondo-te. Além disso, dá toda a ideia de eles formarem um casalinho. Um com um aspecto mais jovem e descontraído. O outro, mais hirto e rígido na sua maneira de vestir. A sua cumplicidade prova que a minha teoria está certa. Importa-te isso? Perguntas-me admirada. Não. Nada. No entanto, quando os outros são felizes na sua relação procuro descortinar as razões. Quero descobri-las também.
Irrito-me. Irrita-me essa tua displicência com as horas. Irrita-me que uma orquestra fundada em 1548 não tenha conseguido fazer-te chegar mais cedo. Irrita-me que não consiga ver a belíssima violinista que a orquestra acompanha. Irrita-me a felicidade do casal homossexual. Irrita-me que tenhamos recebido um certificado pelo facto de termos chegado atrasados. Há quase 6 meses que ninguém chegava atrasado à "Semperoper". E tu? Contente da vida. Vês? Até ganhamos um certificado. O intervalo chega. Ainda bem. Já não suporto a tua felicidade falsa. Contentas-te com muito pouco.

2 Kommentare:

H. Cardoso hat gesagt…

Até parece, digo-te com toda a sinceridade, que não conheces o tempo que levo a arranjar-me. Depois de tantos anos de encontros furtivos, depois de tantos momentos lentos de despedida, o duche para que ninguém perceba o que fizémos, a roupa bem dobrada em cima da cadeira, a maquilhagem que deve ser em tudo igual à que apliquei de manhã... Não percebo porque é que insististe em vir a pé apesar dos meus protestos de que não havia tempo. Só para poupar uns cobres? Viu-se, lindo serviço. Bem tentámos saltar para dentro de um eléctrico à última da hora, pensando que nos safávamos da tarifa, mas o revisor apanhou-nos. Não teria sido melhor, diz-me lá tu, comprar um bilhetinho normalzinho e ir sentadinhos todo o caminho? Tu e os teus malditos cobres.

Repara no casalinho ali sentado ao nosso lado, o tal casal homossexual que conta piadas em polaco ou hebraico ou que raio seja e parece divertido apesar de tudo. Chegaram atrasados, como nós, mas nem por isso se engalfinharam. Isto de passar culpas de mão em mão como se fossem batatas quente só acontece connosco. Não sei se já pensaste nisso. Se não pensaste, bem devias. Aproveita por exemplo agora a sinfonia de Brahms, que já nos estão a chamar para entrarmos. Vá.

AP hat gesagt…

Os senhores queiram desculpar, mas não se pode falar nesta salinha. Devem aguardar em silêncio pelo intervalo e olhar. Caso contrário serei obrigado a tirá-los desta salinha e a cancelar a emissão do certificado.